Deus, meu Deus: onde estás?
Leiam o verso: Deus! ó Deus! onde estás que não respondes?// Em que mundo, em qu'estrela tu t'escondes//Embuçado nos céus?// Há dois mil anos te mandei meu grito,// Que embalde desde então corre o infinito...// Onde estás, Senhor Deus?... Crônica a gente lê ligeiro; mas, e não levem a mal, por favor, leiam de novo o verso. Sentiram? Há séculos, no Colégio das Dores, em Porto Alegre, no tempo em que o ensino brasileiro tinha futuro, porque não estava a mercê da política, um professor de Português nos mandou ler o poema e a vida do poeta autor. Por incrível que pareça, não é tradução de um ótimo poeta europeu. É nosso: do tempo em que os artistas criavam com a cabeça e não com o sexo.
Sintam a angústia que brota de tão singelas linhas. O desespero escrito em uma frase: onde estás, Deus, que não me respondes? Te busco para mitigar meu sofrimento, minha agonia, e estás escondido em uma estrela distante? Onde estás, Deus, que não me proteges da escravidão, dos maus tratos, de sermos considerados animais? Triste, muito triste, a vida e a saga dos africanos que se tornaram escravos. E dos índios e brancos com igual destino ao longo da história, em que poucos os defendiam ou defendem, e muitos, com seu trabalho, enriqueceram e enriquecem.
O mês de novembro lembra os milhões de negros que aportaram algemados ao Brasil, para ajudar a construir a jovem nação. E, no paradoxo sempre existente nos humanos, um de seus principais advogados foi o filho de um abastado proprietário rural e médico baiano: Castro Alves (1847-1871). Curta vida, longa faina. Tido pelos grandes autores nacionais como o Poeta dos Escravos. Autor de Espumas Flutuantes. O que difere os homens não é a cor, é o caráter. Vale ler de novo o verso.