Banner Tchê Milk - 14-10-22Supermercado Kramer - 8-2-23VALUPI Fitness Academia
Por Donato Heinen. Publicado em 05/05/2024 as 16:41:20

De promessa mirabolante a piada pronta: a infraestrutura da Copa 10 anos depois

Em São Paulo, o monotrilho Linha 17-Ouro prometido para a Copa do Mundo de 2014 segue em obras


Foto: Divulgação/Tribunal de Contas de São Paulo

Em 2007, quando a economia brasileira parecia voar e a Fifa fazia um sistema de rodízio de continentes para eleger os países sede da Copa do Mundo, o Brasil foi anunciado como palco do Mundial de futebol em 2014. O país vivia seus anos dourados no cenário internacional, uma ilusão que se revelaria anos depois.

Em 2009, o Brasil foi destaque da revista britânica The Economist, uma das mais prestigiadas publicações do mundo. Na capa, o Cristo Redentor decolava como um foguete em alusão ao cenário nacional aparentemente promissor. Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estava em seu segundo mandato presidencial e foi elogiado pelo então presidente dos Estados Unidos, o democrata Barack Obama, como sendo "o cara". A época era de grandes expectativas com o Brasil, que surfava no boom das commodities enquanto os Estados Unidos viviam uma das maiores crises de sua história.

Em meio a esse clima de otimismo, a cidade de São Paulo foi escolhida como sede da abertura da Copa do Mundo enquanto o Rio de Janeiro ficaria com a final. Os investimentos em infraestrutura, principalmente transporte e mobilidade urbana, nas 12 cidades-sede, foram estimados em R$ 33 bilhões, enquanto a expectativa de turistas era de 3,7 milhões, com de impacto no PIB de R$ 183 bilhões.

Na época, a então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT), afirmou que o objetivo era focar menos em estádios e mais em mobilidade urbana. O trem-bala entre São Paulo e Rio de Janeiro estava entre as principais obras prometidas até o início do torneio mundial e que seria deixado como um importante legado da Copa.

"Nosso projeto é que esteja integralmente pronto em 2014 ou pelo menos o trecho entre Rio e São Paulo"

Dilma Rousseff, então ministra da Casa Civil, prometeu o trem-bala em evento do PAC, em 2009

Assim como outras obras, o trem-bala ficou no papel, exemplo do contraste entre a expectativa com a Copa do Mundo 2014 e a realidade uma década depois. Nesse período, com a deflagração da operação Lava Jato, a descoberta de bilhões desviados para construtoras e com a situação fiscal do país comprometida devido aos gastos públicos desenfreados, a economia brasileira mergulhou em uma crise que desencadeou o impeachment da então presidente Dilma.

O declínio do país sob o governo do PT foi evidenciado em uma nova capa da The Economist ilustrando uma queda do Cristo Redentor. Paralelamente, o sonho do legado das obras da Copa do Mundo foi ficando para trás, um fracasso coroado pelo fatídico 7 a 1 que desclassificou nas semifinais a seleção brasileira em sua própria casa, no Estádio do Mineirão.

Da expectativa à realidade: Brasil foi capa da revista britânica The Economist em 2009 e em 2013, sob olhares distintos.| Reprodução/The Economist

Ex-ministro, Aldo Rebelo defende que Copa funcionou como "acelerador de obras"

Para Aldo Rebelo, ministro do Esporte entre 2011 e 2015, a Copa do Mundo funcionou como um acelerador de obras que já estavam nos planos de prefeituras e governos estaduais. "As obras de infraestrutura já estavam planejadas, nada foi planejado para a Copa. Eram principalmente obras de mobilidade urbana já traçadas em todas as capitais onde esses eventos aconteceram, e a Copa do Mundo apenas teve a responsabilidade de acelerá-las, como reforma de aeroportos, obras viárias, VLT e melhoria de portos", elencou ele à Gazeta do Povo.

Em relação ao abandono e atraso de diversas obras, Rebelo responsabiliza gestões municipais e estaduais. "Eles pararam, portanto eles têm que ter uma explicação. Eles apenas tinham como meta entregar essas obras para a Copa do Mundo, mas isso não estava entre as obrigações nem dos organizadores da Copa, nem da Fifa, nem da CBF ou das seleções, e nem do Ministério do Esporte. A nossa responsabilidade era principalmente nos estádios, mas as obras de infraestrutura e as obras viárias eram de responsabilidade das prefeituras”, respondeu Rebelo.

Chave para obras teve virada em 2016, aponta governador de São Paulo

Em entrevista à Gazeta do Povo, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, que herdou a obra do Monotrilho linha 17-ouro - prevista para a Copa - afirmou que o principal problema na realização de obras no Brasil está relacionado a modelos antigos de gestão, uma chave que foi virada em 2016.

Engenheiro e mestre em Engenharia de Transportes, Tarcísio foi diretor do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) de entre 2011 e 2015 e, desde que assumiu o governo do estado, soma leilões e obras engatilhadas. "Modelos lá atrás fracassaram porque não consideravam a demanda, ou descasavam a demanda do investimento, misturavam obra pública com privada, procuravam usar o banco BNDES com variável de ajuste", disse ele.

"Tinha uma questão de não se preocupar com a operação, se preocupar só com a obra, e muitas deficiências de projeto. A gente aprendeu a resolver isso, aprendemos a estruturar projetos, a mitigar riscos. Os projetos vão ficando sofisticados, aprendemos a tratar o risco de demanda, a trazer a solução para essa questão, a tratar risco de câmbio, a incorporar mecanismos endógenos de tratamento do risco, com alguma inteligência", complementou.

Cinco obstáculos para deslanchar obras públicas - com ou sem Copa

Especialistas ouvidos pela reportagem da Gazeta do Povo, alguns com a condição de não se identificarem, enumeraram os principais obstáculos que permeiam a participação de empreendimentos públicos no país.

1. Desafios técnicos e orçamentários

A falta de capacitação técnica de integrantes do poder público para elaborar projetos eficientes para as obras é um fator crítico. Muitas vezes, os projetos básicos são subestimados em termos de custos, levando a construtora a ter de arcar com os prejuízos ou abrindo brechas para corrupção, como no aumento da quantidade de material no contrato para compensar as perdas.

A contribuição do setor privado fica limitada pela Lei 8.666/1993, conhecida como Lei de Licitações e Contratos. Ela define que quem elaborou o projeto básico ou executivo não pode participar, direta ou indiretamente, da licitação ou da execução de obra, serviço ou fornecimento de bens relacionados ao projeto. Além disso, a empresa responsável pela elaboração do projeto está impedida de participar, isoladamente ou em consórcio, da licitação ou execução.

De acordo com Ricardo Von Glehn, engenheiro especializado em infraestrutura e com vasta experiência em licitações, "às vezes o poder público licita uma obra contando com uma determinada rubrica orçamentária, e ao longo do tempo as receitas mudam e o valor previamente reservado para execução daquela obra já não está mais disponível."

2. Pouco aproveitamento do modelo de parceria público privada (PPP)

As obras feitas por PPPs apresentam vantagens em relação às licitações pela menor burocracia no processo de construção. Apenas quando a Copa se aproximava e as obras públicas já estavam atrasadas, as administrações públicas recorreram às PPPs.

Enquanto o processo licitatório muitas vezes envolve trâmites complexos e demorados, as PPPs proporcionam um caminho mais direto pois há um compartilhamento de riscos e responsabilidades entre o setor público e a iniciativa privada, permitindo que o conhecimento técnico e a agilidade do setor privado se somem à capacidade de investimento e à expertise do setor público.

3. Dimensões continentais do Brasil

O Brasil optou por sediar uma Copa do Mundo em diversos locais, o que demandou um volume massivo de obras, tanto em termos de orçamento quanto de execução. Essa dispersão geográfica apresentou desafios logísticos e operacionais significativos, contribuindo para a complexidade e os atrasos nas entregas das obras. Além disso, cada capital apresenta desafios regionais específicos.

"O poder público não tinha dinheiro nem pessoas suficientes para fazer a gestão. A necessidade de infraestrutura era muito pesada, inclusive por exigências da Fifa. Então, tivemos alguns investimentos gigantescos", diz Von Glehn.

4. Impacto da alta demanda por mão de obra e material de construção

O período que antecedeu a Copa do Mundo 2014 foi caracterizado por um grande aumento na demanda por mão de obra e material de construção, o que resultou em aumentos nos custos. Esse cenário inflacionário encareceu os empreendimentos, sobrecarregando as construtoras e, por vezes, comprometendo a viabilidade financeira das obras.

5. Mal aproveitamento dos estádios

Diferentemente do que ocorre no cenário internacional, muitos estádios brasileiros são administrados pelo poder público, o que leva ao subaproveitamento e à baixa rentabilidade dos espaços. Em janeiro de 2023, a Arena da Amazônia, por exemplo, que é de responsabilidade da Fundação Amazonas de Alto Rendimento, do governo do estado, teve a luz cortada por falta de pagamento. Locais como o Allianz Arena, em Munique, oferecem academia, lojas e restaurantes, enquanto no Emirates Stadium, no Reino Unido, há espaço para eventos e festas.

Balanço das obras prometidas para a Copa do Mundo 2014

Um levantamento feito pela Gazeta do Povo nas 12 cidades-sede da Copa do Mundo mostrou que muitas das obras previstas enfrentaram atrasos significativos para conclusão, outras permanecem inacabadas ou foram abandonadas. No balanço, foram selecionadas as obras de mobilidade de maior relevância para a população local e as que apresentaram algum tipo de problema para execução.

Obras da Copa

Veja o status das obras selecionadas:

Para a realização do levantamento, foram consultados documentos do Tribunal de Contas da União (TCU), a Matriz de Responsabilidades da Copa 2014, reportagens de veículos de imprensa de credibilidade e fontes locais. Todas as assessorias de imprensa das prefeituras, de governos estaduais e dos órgãos oficiais citados foram contatadas. Entre os dados relevantes apurados, estão os empréstimos feitos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e pela Caixa Econômica Federal para financiar as obras, grande parte entregues com atraso.

O BNDES financiou o BRT Transcarioca no valor de R$ 1,2 bilhão. De acordo com o órgão, há "previsão de quitação em janeiro de 2032". A Caixa, por sua vez, utilizou recursos do FGTS para emprestar R$ 4,3 bilhões em 39 operações de crédito. Segundo a assessoria de imprensa da Caixa, do valor contratado até o momento foram efetivamente desembolsados R$ 2,84 bilhões para 31 operações, visto que algumas foram distratadas/extintas.

"Os entes estão adimplentes e o prazo de amortização pode chegar a 360 meses a depender do item financiado, motivo pelo qual algumas operações estão liquidadas e outras em fase de amortização, com saldo devedor total de cerca de R$ 1,94 bilhão", disse a assessoria de imprensa da Caixa.

Curitiba (PR)

Pista atual do Aeroporto Internacional Afonso Pena tem 2,2 mil metros, abaixo do ideal para voos diretos aos Estados Unidos e à Europa.| Jonathan Campos/Arquivo/Gazeta do Povo

As obras previstas para a Copa do Mundo de 2014 em Curitiba representavam um ambicioso plano de melhoria da infraestrutura viária e de transporte, visando a modernização e a otimização dos sistemas de mobilidade urbana. No entanto, muitos projetos enfrentaram desafios que resultaram em atrasos e reduções em sua execução. Entre essas obras, destaca-se a ampliação do Aeroporto Internacional Afonso Pena, incluindo a ainda esperada construção da terceira pista que permitirá o tráfego de voos diretos internacionais.

Ampliação do Aeroporto Internacional Afonso Pena, em São José dos Pinhais, com construção da terceira pista - está em desenvolvimento

O Aeroporto Internacional Afonso Pena, localizado em São José dos Pinhais, era estratégico para receber os turistas que assistiriam aos jogos em Curitiba e de lá partiriam para visitar as Cataratas do Iguaçu, indicadas como destino turístico pela Fifa. Para isso, era preciso ampliar o terminal de passageiros e de cargas, bem como restaurar a pista de pouso e decolagem para receber aeronaves de grande porte e de voos internacionais. Parte das obras de ampliação do aeroporto ficou pronta em 2016, mas a terceira pista está em compasso de espera. A CCR Aeroportos, que assumiu o aeródromo há dois anos, promete a entrega até 2026, conforme previsto no contrato de concessão.

Gazeta do Povo


Nome:

E-mail:

Comentário:

Cidade:


Comentários


Representações BirckFiltros Europa
Filtros EuropaRepresentações Birck